sábado, 4 de novembro de 2017

Niilismo: reflexões acerca de 'Pais e Filhos'

Bazárov é niilista em todos os sentidos (o que seria o mesmo que dizer que ele é ateísta em todos os sentidos). Esse niilismo de Bazárov pode ser compreendido como a personificaçào, no livro Pais e Filhos, de toda uma geração filha da modernização na Rússia (e em todo o mundo). É válido pesquisar mais profundamente sobre as questões históricas citadas no decorrer do livro, como o ano de 1848. Todavia, vamos, de início, fixar na imagem de Bazárov e na reverberação da sua pessoa e pensamentos numa casa de aristocratas. Bazárov É o herói de uma geração que está conhecendo a rapidez dos motores, o desenvolvimento das indústrias e da  imprensa: e essas questões de ordem geral afetam drásticamente na visão de mundo das pessoas, sejam elas meros civis, sejam cientistas, filósofos, artistas. Essa rapidez de informação é algo como o efeito e a causa de uma indigestão de vida (organica e animicamente falando - tal distinção se não é meramente linguística, são dois modos de se falar do Ser): algo como quis dizer Schopenhauer numa passagem: é como ter uma vida de festas muito seguidas, o que gera desilusão. O niilismo de Bazárov é algo como essa desilusão - e por mais distantes que pareçam as duas gerações, a dos aristocratas e a dos niilistas, elas são SIM crias do mesmo ninho. O romantismo de um, o cristianismo do outro, o idealismo de um outro, deu cria a um niilista.
Dietas não se aplicam apenas ao âmbito da alimentação: tudo o que experimentamos na vida nos define, definirá nossos sins e nossos sins e nossos nãos. O niilismo é a resposta da nova geração aos hábitos viciosos da anterior: à sua crueldade, sua cultura criada a partir de uma inabilidade completa de lidar com a impermanência, a mudança; seu ranço, rancor, ressentimento, sua arrogância: tudo aquilo que é, no limite, profundamente prejudicial a uma juventude que quer um futuro. É o primeiro recurso que os jovens encontraram para que houvesse uma mudança no pensar de uma sociedade: e assim dedicam sua fé ao Nada. Mas mal percebem estes que o seu boicote condena não apenas aquilo que lhes é prejudicial: também escoa ralo abaixo toda a sabedoria que poderia haver nessas gerações passadas, todo instrumento, conhecimento, que pudesse ser de grande valia para se viver uma boa vida. Há pouca reflexão aqui: uma imprudência grande demais, de preços bastante altos. A juventude se deixou levar demais pelo desprezo, e como o desprezo era grande, muito grande, por todos aqueles idealistas, romanticos, eles acabam por cavar a sua própria cova: uma vez que a causa da bancarrota desses mesmos idealistas e romanticos foi especificamente seu desprezo. Desprezo pela vida, pelas dificuldades, pela mediocridade aumentada em muitas vezes sob a ótica do romantismo. Desprezo esse que é a bancarrota dos niilistas, com a diferença de que estes não têm o auxílio da estética: mas somente a deusa Utilidade, irmã da Pressa e da Impaciência. Niilismo é como a ressaca de uma dieta longamente mal administrada. Como o poema de Rilke, "A Canção do Suicida". Essa canção ilustra muito bem a situação de um povo.