quinta-feira, 2 de agosto de 2018

Jocosa essa questão da falta de sentido, tão bem trabalhada pelos inúmeros filósofos. Eu, inclusive, me situo nesse hiato. Seria talvez porque me impus objetivos pequenos demais, e até mesmo quis me fazer encaixar às forças em ideias profanadas demais? Com certeza deve ser uma coisa ou outra. O corpo, com toda a sua potência de ação, limitado aos vãos e desvios da cidade. Tudo o que ele vê são repetições horrívelmente vazias, e repete em si aquilo que vê. Um perfeito espelhamento: e a força que se faz lá no íntimo de resistir a essa queda constante às vezes faz-se insuficiente, também. Pra lá com resposabilidades! Chega de raciocínios tão óbvios! Sim, quis, sim, escolhi, sim, poderia ter feito de outro modo. Mas não fiz, e agora? Sou o resultado de inúmeras forças. Eu mesma que escrevo agora nada mais sou do que o resultado da equação passado-presente-futuro. E também pra lá com o questionamento filosófico demais! É também igualmente um estilo, mas que remete a uma situação inativa. É o limbo perfeito - chega-se a ele e só assim os raciocínios filosóficos escorrem para dentro de nós como água. De outro modo geraria repulsa, pois a vida ela mesma é movimento. A ausência de uma identidade, ou pior, travestir de ciência toda aquela análise sobre o pessimismo, em nada disso há autenticidade. Quem foi que disse para negar a tudo e que só através desse modus operandi a essência do mundo seria palpável? É um jogo bastante perigoso, esse de arriscar querer ser deus. Esse de se deixar ludibriar pelo mito do conhecimento. Sou velha já, mesmo nova, e sei o que vivo. Vivo o hiato da existência, e pra cada rosto que encontro é um silêncio. E sabendo de tudo isso, que ganho, senão talvez uma arrogante atitude perante a possibilidade infinita que a vida tem de brotar por todo canto? Que vida é essa que eu vejo aqui, hoje, perante os meus olhos? Que são todos esses costumes que se interrompem a cada novo grupo, o costume-interrompido por excelência. - - O corpo, a dor que o corpo é, a ferida entre as minhas pernas: eles expressam algo constantemente, que é que eu não estou conseguindo ler? Há forma mais apropriada para ler o que o corpo expressa? Caminho por horas e o corpo dói porque resiste à força da inércia, à força da angústia. O coração bate forte no momento do descanso porque esteve quase inativo por tempo demais. E que é o coração físico senão a nossa potência mesma encarnada? Pulsa, como voz pulsa, como riso pulsa, como imagem pulsa. E se o coração anda fraco talvez toda a recepção sensorial ande fraca, a expressão afetiva ande fraca, a fala (as falas...) não tenha saído no momento certo e assim tenha perdido para sempre a possibilidade de sair. A ação dos outros sobre nós, a voz dos outros sobre nós, nossa indisposição perante a vida, a arrogância juvenil de não dispor-se. O engano que é tanto a projeção que fazemos do que é morrer, que nos causa temor, e igualmente o enorme engano daquilo que entendemos como poder. Como pode que poder sobre a iminente morte seja nada mais que uma ausência de ação? Um negar-se a - como se o evento estivesse a ocorrer fora de nós, como se não dependesse de nós justamente dar molde àquele ocorrer. E assim espera-se - nós, o evento, esperam - por uma resposta. Não damos, não respondemos, acreditamos que não somos aquilo que nos acomete. Como isso é possível? Passa o tempo e a não-identificação com aquilo que nos acomete aumenta mais e mais, até chegarmos ao ponto em que dizemos: absurdo, desespero, falta de sentido. Adiamos nossas contas com o universo, esse universo que os antigos chamavam de antepassados. Adiamos nossas contas com nós mesmos, pois que somos nós senão a ação, ação entendida como confluência entre corpo-mente-alma? Isso e nada mais que isso é corrupção: perdemos ser ao escolhermos não agir. Temos medo da perda, da morte, mas expressamos esse medo com indiferença, fingimos não ver aquilo que nos ocorre, e assim adiamos o inevitável: a vida. Atualização de ser, era esse o propósito de um ritual, é esse o propósito da dança, da fala, dos costumes. Matar deus nada mais é que negar-se a tais costumes, e não colocar nada novo no lugar - como podemos crer tanto nessa deusa ciência, sendo que ela nos põe numa situação de tão grande convencimento da nossa auto-consciência esclarecida e ao mesmo tempo sermos assim, seus títeres? Somos bobos, porque estamos convencidos de não o sermos. E todas essas classificações de ideias, não são elas uma barreira ao acesso à vivência daquilo que elas querem significar?